sexta-feira, dezembro 21, 2007

NATAL, E NÃO DEZEMBRO









Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.


Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal consoada.








David Mourão Ferreira, 1962

domingo, dezembro 09, 2007

ESCRITA





A minha escrita
é vertical,
de cor incerta
e odor de murmúrios

em cada sótão
uma gaveta
em cada gravata
memórias

como estátuas
vivas
as palavras
brincam comigo
na praia secreta
no eterno rio.

Só tu minha
folha de cristal
branca de tão lisa
conheces esse
sabor imemorial!