segunda-feira, maio 31, 2010

Estar cansado
E esperar por um corpo
Chamado árvore

Desse gigante Adamastor
Que passeia em
Seu alarde

Estar cansado e desesperar
Pelo fim de tarde
Desse amor à beira-mar

Da cavaqueira inútil
E desbravada

Do mundo raiz
Do pensamento

Estar cansado
E desesperar
P`lo romance que nunca vem

Por ti barco sem
Nome tristeza de ninguém

Por ti Alhambra da alma
Em cujo desassossego teimo
Não adormecer.

JPS

terça-feira, maio 25, 2010

Soneto quase inédito

Surge Janeiro frio e pardacento,
Descem da serra os lobos ao povoado;
Assentam-se os fantoches em São Bento
E o Decreto da fome é publicado.

Edita-se a novela do Orçamento;
Cresce a miséria ao povo amordaçado;
Mas os biltres do novo parlamento
Usufruem seis contos de ordenado.

E enquanto à fome o povo se estiola,
Certo santo pupilo de Loyola,
Mistura de judeu e de vilão,

Também faz o pequeno "sacrifício"
De trinta contos - só! - por seu ofício
Receber, a bem dele... e da nação.

JOSÉ RÉGIO Soneto escrito em 1969, no dia de uma reunião de antigos alunos.

Tão actual em 1969, como hoje...

E depois ainda dizem que a tradição não é o que era!!!

segunda-feira, maio 24, 2010

Gaivotas em Terra




A minha visão

É uma gaivota

Da tarde

Refugiada

Das agruras do mar

Na terra bravia

Desta cidade



JPS

terça-feira, maio 18, 2010

memória

as manhãs tinham um hálito agradável, um odor a verde e a feno, terra húmida mas serena, impávidos insectos num repouso de folhas e caules e teimosas raízes que subiam árvores e muros e paredes onde viçosos musgos escondiam experiências, instintos e vidas trazidas por ventos brancos e alimentadas por chuvas sem branco. terra revolta, à margem dos canteiros floridos, feridas com sulcos de carruagens, rodas e flores, ouro de sol, prata de fios-d'-água, beijos de saudades, beijos-em-flor, pedras nuas expostas à luz, dispostas a tudo.

do mar se via a terra.

subíamos a ladeira descalça do monte, crepitando inocentes passadas rumo a um previsto e desejado desconhecido. haviam esperanças nas meninas e nos olhos, esbugalhados calhaus, saltitões quietos, palavras sem nome, gritos de silêncio em canto alto; desunidos ramos secos, pasmo espasmo de mãos agarradas à terra.

da terra se via o mar.

ondas, espuma, areia nos cabelos, seiva negra de tão pura sujidade. navios -quem os inventou?- traziam maresias com memórias de nevoeiros descobertos, gelos derretidos em fogo, quentes frios arrepios; infinita saliva.

arremessados paus, galhos de velas desfeitas galgavam margens de asfalto, botes de raiva afundavam águas onde nenhuma caravela nadara, nenhum incauto marinheiro guerreara; paraíso do peixe, sombra do risco, subterfúgio da alma. gaivotas a picar a pele do sonho, vistes?

sim, também nasciam ondas de cravos vermelhos de insuspeitas fontes, promessas de ventos em mudança, um riso sorriso nas palmas das mãos, armas floridas carregando costas nuas, bandeiras desfraldando a liberdade do vento; um rio de gente a caminho.

e o rio unia terra e mar.

***

vieram carros do combate, sem combater o futuro, arrasado o passado, vieram tantos e tantas, anónimas vozes e gritavam, expeliam o silêncio dos corajosos, repeliam a força à força de palavras como estas: que nojo vos turvara a mente?

que carinho nos transformou em gente?

ai!, quem souber desenhar almas que conte! que digam a verdade mentindo, mintam dizendo, enganem a memória, enterrem a história; o mundo vive para além disso. embrulhem as alegres lágrimas em sacos dos vossos lixos; rompidos, incessantemente rompidos, desaguarão os limites da imagem: recordação, tu nunca mentes!

que recordação vos magoou, ó gentes?

voltaram todos do monte, acorreram das serras e dos vales dos vossos sonhos, vieram voando em nuvens de desejo, trouxeram a morte e o beijo, carregaram o espinho e a rosa, acordaram o trovão e a corda, redes, pescadores, rezes, fomes a cheirar ao pão; amassaram os caminhos, corpos pequeninos e passarinhos, abutres também: se a presa é oferecida que mais vos falta para a festa?

e depois do adeus, da solene despedida do morto anunciado, partíamos, ai!, suprema alegria voar o barro, dissipar o catarro, esticar o torpor, matar, sim, matar o ditador!

que morte vos mudou, gente?

sem medos, povos das selvas montes serras rios mares, para além do crime, dizei-me:

que falso carinho vos devolveu a crença?

***

nómadas do esquecimento.

sobre as águas do inferno lavais as lembranças e escolheis o fogo do paraíso para festejar o esquecimento com que suportais a vida: até quando? homéricos poemas à laia de discurso, palavreado belo do engano, mística de cómodo olhar, esbracejar da lassidão; como é breve o tempo que há-de vir, como inutilizastes a memória!

sedentários do nada!

acordávamos felizes. então, sempre que o mar nos trazia um naufrágio de esperanças, acorriamos às areias em busca do remoinho; agora, destruída a caixa de Pandora, afundais-vos em terra solta e das ondas fizestes sepulcros. e com cruzes desenhais madeira.

carpinteiros do artifício!

esquecestes as horas da boa-espera, as madrugadas a fio, as auroras da navalha. esquecestes igualmente as praias e as rochas e as maresias; seguis caranguejos a caminho da solidão. Narcisos sem rumo, espelhos falsificados, anúncios da desgraça.

construtores da armadilha!

longe, muito longe do que é aqui, resistem prados e versos: nem as rimas vos salvarão!

que fizestes das palavras?

***

arautos dizem esquecei! lembrai-vos sempre disso!

recuperai memória, criai história, fazei acontecer! tornai ao âmago das coisas, alimentai-vos do sopro, reconstrua-se a carne: não vos falo do verbo e muito menos do adjectivo, Vaidade! Falo-vos da oração completa: voltai a desenhar as letras...



Luís Nogueira


retirado de"ecos do meu pátio"

sábado, maio 15, 2010








No teu silêncio

falam as árvores

como ramos

ao vento

na mágica ascensão

do teu olhar.


Joaquim Paulo Silva

terça-feira, maio 11, 2010

por email, chegou-nos o POEMA:

A CRISE…

lenta mente

lá vai ela

campos fora

ante

em passinhos

de coelho

silenciosa mente

lá vai ela

como se fosse nada

tudo tira ao povo

de forma mansa

e descarada

entretanto…

amarga e

mansa mente

o povinho

de bandeira em arco

e pensar lento

celebra o Benfica

e o papa bento…

eduardo roseira


11 de maio de 2010

sexta-feira, maio 07, 2010

Texto reproduzido da Revista "Estudo Geral"

Via Láctea



por

Abdul Cadre

O professor Agostinho da Silva, um homem que veio do futuro e possuía dupla nacionalidade (portuguesa e brasileira) COSTUMAVA DIZER que somos estrelas de incomparável brilho. Que pena, termos tanta dificuldade em acreditar nisto. E, no entanto, o brilho vê-se nos olhos quando o peito arde sem constrangimentos.

Mas eis que se torna uma necessidade permanente avivar a chama, visitar o interior, varrer as cinzas e encher o lugar de alegria.
É no mais profundo do peito que nascem e morrem todos os sentimentos. As lágrimas podem lavá-los, mas também molham os bagos de amor que são os carvões da fogueira que nos permite brilhar, prejudicam a combustão, enchem de fumo o nosso entendimento e a tristeza vem e ofusca-nos o olhar.
Ver no outro o brilho verdadeiro que em nós imaginamos chama-se EUCARISTIA – palavra derivada do grego, com o significado etimológico de «o bem do amor» –, sendo que o amor não é nem nunca foi o que o homem pós-moderno diz, mas aquilo em que ele não quer acreditar. É por isso que falar de fazer amor, como se amor fosse artesanato, confundindo apelos da alma (que traz amordaçada) com ânsias da carne (que traz à rédea solta); dar-se ao outro pelo outro é-lhe completamente incompreensível. O TER infectou-o tanto por dentro que o SER, cada vez mais angustiado, se afasta cabisbaixo pela estrada da mágoa e da tristeza.

O amor – não uma sua qualquer particular manifestação menor – é a negação da morte, como se diz com mestria no soneto de Antero de Quental intitulado «Mors – Amor», quando o corcel negro diz «eu sou a morte» e o cavaleiro lhe responde: «eu sou o amor».

É certo que no preciso momento em que nascemos começamos a morrer e que em todos os dias desta nossa peregrinação nascemos e morremos continuamente. Afinal, viver talvez seja matar a morte de cada dia.
Quando as estrelas, em vez de brilharem, se ofuscam, tendem a colapsar sobre si mesmas. É isto que acontece ao homem preocupado apenas com o seu umbigo. Ávido de prazer, ele desconhece a alegria e julga poder afastar a dor; não pode, a dor é uma inevitabilidade, o que é opcional é o sofrimento, que é o carrasco da alegria.

Como imagem para o nosso colapso de estrelas que não ousam sê-lo, olhemos algo que se pôs de moda, fazer implodir velhos edifícios para dar lugar a outros, presumidamente melhores. O colapso do homem velho seria, nesta condição, uma coisa boa, isto é, se melhor construção viesse, mas enquanto vivermos de fora para dentro, tenhamos a certeza que nem aos caboucos meteremos ferro, antes veremos embargada a construção do homem novo, tão desejada em tempos de exaltação, tão tumular em tempos de apatia. A construção do homem novo, daquele que há-de viver de propósito e brilhar por condição, que viverá de dentro para fora, com o peito a arder, é uma promessa de vida e de futuro.

Podemos antever isso, sempre que em noite amena e estrelada nos deitemos em chão despido, extasiados com a Via Láctea, a que pertencemos.
Publicada por estudo geral

"Estudo Geral

Uma Revista que se pretende livre, tendo até a liberdade de o não ser. Livre na divisa, imprevisível na senha. Este "Estudo Geral", também muito virado à participação local, lembra a fundação da primeira Universidade em Portugal, lá longe no ido século XIII, no reinado de D. Dinis. Conselho Editorial: António Tapadinhas, Diogo Correia, Luís Gomes, Luis Santos, Manuel João Croca e Raul Costa.


Estão participando: Paula Soveral, Abdul Cadre, Margarida Castro, Leonel Coelho, Paulo Borges, Luis Santos, António Tapadinhas, Diogo Correia, Manuel João Croca, Luís Mourinha, Luís Guerreiro, Ângelo Cristóvão, Eduardo Espírito Santo, Raul Costa, Agostinho da Silva, Alexandra Viegas, Luís Gomes, Fernanda Bião, José Miguel, João Raposo Nunes, Chrys Chrystello, Abilio Pacheco. "

terça-feira, maio 04, 2010

Celeiro



Nunca partirei
se não guardar
a casa
no alforge


João Manuel Ribeiro